quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Amor não vadio...

A noite dorme silente.
O frio gela lá fora.
Chamo o sono. Faz-se ausente.
E o frio venceu-me agora...

Lareira almejo que aqueça
Meu peito onde escondo o frio;
De nada mais tenho pressa
Senão de amor não-vadio...

Amor só nosso é ternura
Que aquece a alma e que dura
Pelos tempos que hão-de vir...

Mas passa um dia e outro vem
Sem que à porta bata alguém
E eu volte a ser flor a abrir...

Caxias, 26/12/09
Maria Francília Pinheiro

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Que o Sol não tarde mais tarde que a hora....

A noite adormece. Entrega-se ao tempo.
O dia há-de vir quando a noite acordar.
Que sombras-fantasma, receios calados,
Que choros silentes eu grito ao luar...

Em cinzas de lume a lareira se apaga.
Mas guardei-lhe o cheiro da lenha que ardia.
O sono que venha, se apresse e descanse
A minh'alma exangue, carente, vazia...

No céu acontecem vislumbres de prata.
Por detrás do morro adivinha-se a aurora.
Que os raios argênteos me beijem a boca
E que o Sol não tarde mais tarde que a hora...

O fogo escondido liberto apressada.
Sem medo me solto, vestida de nada!


Caxias, 01/09/09
Maria Francília Pinheiro

Verdade é o valor maior...

Verdade é cristalina água das fontes
Que a cantar vai no chão por onde passa;
Verdade são os verdes lá dos montes
Que tornam leve o ar que nos enlaça...

Verdade é maresia ao fim da tarde,
Tarde aquela em que o Sol mais abrasou;
Verdade é puro azeite q'inda arde
Se misturar-lhe água alguém tentou...

Verdade é rio que sobe sem pressas,
E sem mais pressa logo há-de descer;
Verdade não se esconde, pede meças,
Fica onde está, altiva até vencer...

Verdade é o valor maior na hora
Em que à mentira só cabe ir embora!


Caxias, 12/12/09
Maria Francília Pinheiro

Que o Natal aconteça todos os dias...


Se não vier o Natal
Todos os dias a ser,
Por que se há-de fazer
Festa rija sem igual
Pelo tempo do Natal
Em vez de amor mais haver?

Festa maior de Natal
É a diferença abissal
Entre aquele que amor tem
Para dar sem ver a quem,
E um outro que tudo faz
Só por si e olha voraz
O pouco de um pobre alguém...

Quem pão não tiver p'ra dar
Mas coração lhe sobrar,
Dê trabalho voluntário...
Sublime é ser solidário!

Pois se há gozo em receber,
Dar é tamanho prazer
Que uma luz no peito seu
Logo,de amor, se acendeu...

Dê uma palavra amiga,
Cante ao velho uma cantiga,
Faça a quem chora um carinho;
Agarre a mão ao doente,
Dê-lhe o seu calor mais quente
Num bago de azevinho...

Olhe quem sofre nos olhos
Com a ternura maior,
Seu rosto no rosto seu;
Se não vão embora os'scolhos,
A dor ficou bem menor,
A esp'rança lhe devolveu...

E se tiver de fingir,
A face pondo a sorrir
Embora d'alma a sangrar,
Vá em frente, não importa
Sempre que os outros conforta,
Finja mais..., chore a cantar!

Porque assim é que é Natal
Ao do Deus-Menino igual.


Caxias, 25/10/09
Maria Francília Pinheiro

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

África Negra...

Ao pôr-do-sol a terra é mais vermelha,
E mais garrida a acácia nos parece.
No mar há rubros de ouro. E anoitece
Como no céu ressalta uma centelha.

O Sol vai serra adentro. E acontece
Que o chão de mil tons de ocre se avermelha.
Foi Deus que a um justo viu fervor na prece:
Africa Negra ao Éden assemelha!

À solta,andam na praia os namorados
Na babugem das ondas, descuidados...
E os búzios calam desmandos de amor.

Há luz junto do mar que inda alumia.
Chega à savana o cheiro a maresia,
Porque há feitiço ao sul do Equador!



In POESIA QUE A MÁGOA TECE, 2007.
Maria Francília Pinheiro

domingo, 22 de novembro de 2009

ÁFRICA MINHA...


Que saudades eu tenho, África minha!
Da cor do mar, do Sol a arder na pele,
Da chuva repentina que adivinha
A sede que ao chão faz lanho a cinzel...

Ao sol, quando na rua vou sozinha,
Não esqueço o cajueiro e a sombra dele:
Dos cheiros e sabores eu guardo o mel
Da manga e da papaia madurinha...

E como não lembrar a teimosia
Do tempo, que na imensa serrania
Lavrou perfis do Negro em cada monte!?...

E mais outro igual não há sol-poente
Que se afoga a correr na serra adentro,
E traz perto da praia o horizonte!...


A fotografia aérea da serra das "Cabeças de Velho", em Nampula/Moçambique, fala por que a magnitude do cenário só poderia caber onde a humildade poética não tivesse tamanho.

In Poesia que a mágoa tece - 2007

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A magia acontece...


Por que razão, Amor, já te apartaste,
E com afagos meus ficas zangado...
Não vês a angústia no rosto cansado,
O espectro da seara que ceifaste!?

Não mais quero saber por onde andaste,
Mas dar verdade ao sonho, então sonhado...
O que hoje em mim acusas de pecado
Não te enfadou enquanto só me amaste!

Procuras a miragem que não presta.
Agarra o pouco do muito que resta,
E vai acontecer do Céu magia...

Mas foges mais a cada hora, eu sinto.
No ar pairam amargos de absinto
Que me dão medo por telepatia...


IN Poesia que a Mágoa Tece - 2007.

Foto: Paula Raposo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sou tua ainda...


De alma e corpo fui tua pelas horas
Dos anos...Já esqueceste ou nada importa?
Sabendo eu bem que as minhas dores não choras,
O teu rodar da chave ouço na porta...

Sou tua ainda, que em meu peito moras,
E vejo os olhos teus, lascivos, vindo
Olhar-me o corpo, que em beijos devoras,
Enquanto a minha flor se vai abrindo...

Chegada a hora de me ir deitar,
Espero-te. Não vens. E,ao acordar,
Afagos de amor lembro que não digo...

Se não puder esquecer-te, fico louca.
Porque a fome que vem à minha boca
Não é de pão...,mas a calar me obrigo!


In Poesia que a mágoa tece - 2007

Foto: Paula Raposo

domingo, 1 de novembro de 2009

O dote...


Nesta aridez de selva que é a vida,
Deixei-me sufocar em tempos idos.
Mas, alguns anos já sendo volvidos,
Um sol de luz me quis ver renascida...

E alumiou minh'alma enlouquecida,
Cansada dos mil gritos e gemidos
Silentes, sufocados ou bramidos,
Em que afogava a dor mais desabrida...

Então, aquele sol de luz falou:
Sê nobre como a árvore na mata,
De pé, altiva em porte, embora archote,

Se mão cobarde o fogo lhe ateou.
E porque presa ao chão ordens acata,
Dignidade legou...Agarra o dote!


IN Poesia que a mágoa tece 2007

Foto: Paula Raposo

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A heroína que não sou...


Ao raiar da manhã de cada dia,
Se à minh'alma apetece renascer,
Limito as estremas de agrura e euforia,
Dizendo à dor que não me há-de vencer.

Se ao masoquismo não quero perder,
Não vou ganhar a luta à nostalgia,
Um fardo a carregar em demasia
Que faz meu rosto mais velho parecer.

Levanto-me, caindo a cada passo,
O chão rejeito e humildemente abraço,
Hosanas dando ao trilho por que vou...

Percorro na memória os mais hostis
Caminhos já vencidos, negros, vis,
E sinto-me a heroína que não sou!


IN Poesia que a mágoa tece - 2007

Foto: Paula Raposo

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Quem me quiser...


Quem me quiser tem de vir procurar-me,
Quer faça chuva ou sol de calor pouco...
Quem me quiser, forçoso, tem de achar-me,
E há quanto tempo o espero como um louco...

Quem me quiser tem de sentir no ar
O cheiro a verde das serras do Norte...
Quem me quiser comigo há-de apanhar
Sargaços que vêm de mar longe à sorte...

Quem me quiser tem de ter cãs de outono
Que aos anos dão a cor nobre do mel...
Quem me quiser, à insónia dê o sono
A ver nascer meus versos no papel...

Quem me quiser, primeiro ausculte o vento,
Que o medo da traição do amor me afasta...
Quem me quiser não desperdice o tempo,
No inverno, os corações a neve castra!...


IN Poesia que a mágoa tece - 2007

Foto: Paula Raposo

sábado, 17 de outubro de 2009

Pinheiro erecto sou...

Com voz de amor ralhou-me, amargurada,
Minh'alma a q'rer saber porque tardou
Andar na estrada inda antes não andada,
Aonde alguém esperar por mim jurou...

Ternura guardo tanta amarrotada;
Com medo da traição amor não dou;
Da má sorte dos sós serei falada,
Recuso amores...Eu por aí não vou!


Com força forte agarro a tempestade
Mais crua, a dos revezes da idade,
Pois sou pinheiro erecto em nome e em porte.

Se no meu peito ainda há golpe aberto,
E a dor de tanta dor me fez um espectro,
Achei na solidão meu próprio norte!


IN Poesia que a mágoa tece - 2007